quarta-feira, 27 de agosto de 2008

"Porta de Colégio"


Esse texto é muito legal, pena que o brasileiro, de forma geral, não é um povo muito habituado a ler. Olhem como estaremos daqui a alguns anos, muito legal, espero sinceramente que curtam, o escolhi cuidadosamente...
Porta de Colégio
Passando pela porta de um colégio, me veio uma sensação nítida de que aquilo era a porta da própria vida. Banal, direis. Mas a sensação era tocante. Por isso, parei, como se precisasse ver melhor o que via e previa.
Primeiro há uma diferença de clima entre aquele bando de adolescentes espalhados pela calçada, sentados sobre carros, em torno de carrocinhas de doces e refrigerantes, e aqueles que transitam pela rua. Não é só o uniforme. Não é só a idade. É toda uma atmosfera, como se estivessem ainda dentro de uma redoma ou aquário, numa bolha, resguardados do mundo. Talvez não estejam.
Vários já sofreram com a pancada da separação dos pais. Aprenderam que a vida é também um exercício de separação. Um ou outro já transou droga, e com isto deve ter se sentido (equivocadamente) muito adulto. Mas há uma sensação de pureza angelical misturada com palpitação sexual, que se exibe nos gestos sedutores dos adolescentes. Ouvem-se gritos e risos cruzando a rua. Aqui e ali um casal de colegiais, abraçados, completamente dedicados ao beijo.
Beijar em público: um dos ritos de quem assume o corpe e a idade. Treino para beijar o namorado na frente dos pais e da vida, como quem diz: também tenho desejos, veja como sei deslizar carícias.
Onde estarão esses meninos e meninas dentro de dez ou vinte anos?
Aquele ali, moreno, de cabelos longos corridos, que parece gostar de esportes, vai se interessar pela informática ou economia; aquela de cabelos loiros e crespos vai ser dona de butique; aquela morena de cabelos lisos quer ser médica; a gorduchinha vai acabar casando com um gerente de multinacional; aquela esguia, meio bailarina, achará um diplomata.
Algumas estudarão letras, se casarão; largarão tudo e passarão parte do dia levando filhos à praia e à praça e pegando-os de novo à tardinha no colégio. Sim, aquela quer ser professora de ginástica. Mas nem todos têm certeza sobre o que serão. Na hora do vestibular, resolvem. Têm tempo. É isso. Têm tempo. Estão na porta da vida e podem brincar.
Aquela menina morena magrinha, com aparelho nos dentes, ainda vai engordar e ouvir muito elogios às suas pernas. Aquela de rabo-de-cavalo dentro de dez anos se apaixonará por um homem casado. Não saberá exatamente como tudo começou. De repente, percebeu que o estava esperando no lugar onde passava na praia. E o dia que foi com ele no motel pela primeira vez ficará vivo na memória.
É desagradável, mas aquele ali dará um desfalque na empresa em que será gerente. O outro irá fazer doutorado no exterior, se casará com estrangeira, descasará, deixará lá um filho - remorso constante. Às vezes lhe mandará passanges pra passar o Natal com a família brasileira.
A turma já perdeu um colega em um desastre de um carro. É terrível, mas provavelmente um outro ficará pelas rodovias.
Aquele ali vai tocar rock vários anos até arranjar um emprego em repartição pública. O homossexualismo despertará mais tarde naquele outro. Espantosamente, logo nele que é já um dom-juan. Tão desinibido aquele, acabará líder comunitário e talvez político. Daqui a dez anos os outros dirão: ele sempre teve jeito, não lembra aquela mania de reunião e diretório?
Aquelas duas ali se escolherão madrinhas de seus filhos e morarão no mesmo bairro, uma casada com engenheiro da Petrobras e outra com um físico nuclear. Um dia, uma dirá a outra no telefone: _ Tenho uma coisa a lhe contar: arranjei um amante. Aconteceu. Assim, de repente. E o mais curioso é que continuo a gostar do meu marido.
Se fosse haver ditadura no futuro, aquele ali seria guerrilheiro. Mas esta hipótese deve ser descartada.
Quem estará naquele avião acidentado? Quem construíra uma linda mansão e um dia convidará a todos da turma para uma grande festa comemorativa? Ah, o primeiro aborto! Aquela ali descobrirá os textos de Clarice Lispector e isto será uma iluminação para toda a vida. Quantos apareceram na primeira página do jornal? Qual será o tranqüilo comerciante e quem representará o país na ONU?
Estou olhando aquele bando de adolescentes com evidente ternura. Pudesse passava a mão nos seus cabelos e contava-lhes as últimas estórias da carrocinha antes que o lobo feroz os assaltasse na esquina. Pudesse lhes diria daqui: aproveitem enquanto estão no aquário e na redoma, enquanto estão na porta da vida e do colégio. O destino também passa por aí. E a gente pode às vezes modificá-lo.
(Afonso Romano de Sant'anna. Porta de Colégio. São Paulo, Ática, 1999).




4 comentários:

Stephanie C. de Mello disse...

Que texto incrível . Lindo lindoooo

Realmente. Ngm pode prever o que serão os jovens, no futuro.. Gostei muito desse tema. Continue assim .
Bjos ^^

Unknown disse...

oi George.. esse texto é ótimo..!
bjos

Unknown disse...

enfoodlenOi Georgee, nossa faz tempo que quero comentar o teu blog, porém não dava certo, rsrsr
Bom, Parabéns por sua sensibilidade e dom!
Adorei todos os posts.
Te adoro.
Beijo

George de Oliveira disse...

Valew... muito obrigado pelos comentários... é bom saber que gostaram... pelo menos vocês deram valor às palavras do blog...