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Esse texto é muito legal, pena que o brasileiro, de forma geral, não é um povo muito habituado a ler. Olhem como estaremos daqui a alguns anos, muito legal, espero sinceramente que curtam, o escolhi cuidadosamente...
Porta de Colégio
Passando pela porta de um colégio, me veio uma sensação nítida de que aquilo era a porta da própria vida. Banal, direis. Mas a sensação era tocante. Por isso, parei, como se precisasse ver melhor o que via e previa.
Primeiro há uma diferença de clima entre aquele bando de adolescentes espalhados pela calçada, sentados sobre carros, em torno de carrocinhas de doces e refrigerantes, e aqueles que transitam pela rua. Não é só o uniforme. Não é só a idade. É toda uma atmosfera, como se estivessem ainda dentro de uma redoma ou aquário, numa bolha, resguardados do mundo. Talvez não estejam.
Vários já sofreram com a pancada da separação dos pais. Aprenderam que a vida é também um exercício de separação. Um ou outro já transou droga, e com isto deve ter se sentido (equivocadamente) muito adulto. Mas há uma sensação de pureza angelical misturada com palpitação sexual, que se exibe nos gestos sedutores dos adolescentes. Ouvem-se gritos e risos cruzando a rua. Aqui e ali um casal de colegiais, abraçados, completamente dedicados ao beijo.
Primeiro há uma diferença de clima entre aquele bando de adolescentes espalhados pela calçada, sentados sobre carros, em torno de carrocinhas de doces e refrigerantes, e aqueles que transitam pela rua. Não é só o uniforme. Não é só a idade. É toda uma atmosfera, como se estivessem ainda dentro de uma redoma ou aquário, numa bolha, resguardados do mundo. Talvez não estejam.
Vários já sofreram com a pancada da separação dos pais. Aprenderam que a vida é também um exercício de separação. Um ou outro já transou droga, e com isto deve ter se sentido (equivocadamente) muito adulto. Mas há uma sensação de pureza angelical misturada com palpitação sexual, que se exibe nos gestos sedutores dos adolescentes. Ouvem-se gritos e risos cruzando a rua. Aqui e ali um casal de colegiais, abraçados, completamente dedicados ao beijo.
Beijar em público: um dos ritos de quem assume o corpe e a idade. Treino para beijar o namorado na frente dos pais e da vida, como quem diz: também tenho desejos, veja como sei deslizar carícias.
Onde estarão esses meninos e meninas dentro de dez ou vinte anos?
Aquele ali, moreno, de cabelos longos corridos, que parece gostar de esportes, vai se interessar pela informática ou economia; aquela de cabelos loiros e crespos vai ser dona de butique; aquela morena de cabelos lisos quer ser médica; a gorduchinha vai acabar casando com um gerente de multinacional; aquela esguia, meio bailarina, achará um diplomata.
Algumas estudarão letras, se casarão; largarão tudo e passarão parte do dia levando filhos à praia e à praça e pegando-os de novo à tardinha no colégio. Sim, aquela quer ser professora de ginástica. Mas nem todos têm certeza sobre o que serão. Na hora do vestibular, resolvem. Têm tempo. É isso. Têm tempo. Estão na porta da vida e podem brincar.
Aquela menina morena magrinha, com aparelho nos dentes, ainda vai engordar e ouvir muito elogios às suas pernas. Aquela de rabo-de-cavalo dentro de dez anos se apaixonará por um homem casado. Não saberá exatamente como tudo começou. De repente, percebeu que o estava esperando no lugar onde passava na praia. E o dia que foi com ele no motel pela primeira vez ficará vivo na memória.
É desagradável, mas aquele ali dará um desfalque na empresa em que será gerente. O outro irá fazer doutorado no exterior, se casará com estrangeira, descasará, deixará lá um filho - remorso constante. Às vezes lhe mandará passanges pra passar o Natal com a família brasileira.
A turma já perdeu um colega em um desastre de um carro. É terrível, mas provavelmente um outro ficará pelas rodovias.
Aquele ali vai tocar rock vários anos até arranjar um emprego em repartição pública. O homossexualismo despertará mais tarde naquele outro. Espantosamente, logo nele que é já um dom-juan. Tão desinibido aquele, acabará líder comunitário e talvez político. Daqui a dez anos os outros dirão: ele sempre teve jeito, não lembra aquela mania de reunião e diretório?
Aquelas duas ali se escolherão madrinhas de seus filhos e morarão no mesmo bairro, uma casada com engenheiro da Petrobras e outra com um físico nuclear. Um dia, uma dirá a outra no telefone: _ Tenho uma coisa a lhe contar: arranjei um amante. Aconteceu. Assim, de repente. E o mais curioso é que continuo a gostar do meu marido.
Se fosse haver ditadura no futuro, aquele ali seria guerrilheiro. Mas esta hipótese deve ser descartada.
Quem estará naquele avião acidentado? Quem construíra uma linda mansão e um dia convidará a todos da turma para uma grande festa comemorativa? Ah, o primeiro aborto! Aquela ali descobrirá os textos de Clarice Lispector e isto será uma iluminação para toda a vida. Quantos apareceram na primeira página do jornal? Qual será o tranqüilo comerciante e quem representará o país na ONU?
Estou olhando aquele bando de adolescentes com evidente ternura. Pudesse passava a mão nos seus cabelos e contava-lhes as últimas estórias da carrocinha antes que o lobo feroz os assaltasse na esquina. Pudesse lhes diria daqui: aproveitem enquanto estão no aquário e na redoma, enquanto estão na porta da vida e do colégio. O destino também passa por aí. E a gente pode às vezes modificá-lo.
(Afonso Romano de Sant'anna. Porta de Colégio. São Paulo, Ática, 1999).
4 comentários:
Que texto incrível . Lindo lindoooo
Realmente. Ngm pode prever o que serão os jovens, no futuro.. Gostei muito desse tema. Continue assim .
Bjos ^^
oi George.. esse texto é ótimo..!
bjos
enfoodlenOi Georgee, nossa faz tempo que quero comentar o teu blog, porém não dava certo, rsrsr
Bom, Parabéns por sua sensibilidade e dom!
Adorei todos os posts.
Te adoro.
Beijo
Valew... muito obrigado pelos comentários... é bom saber que gostaram... pelo menos vocês deram valor às palavras do blog...
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